A
minha amiga Manuela Poitout,
licenciada em Filologia Românica e investigadora de temas históricos e cultura
da nossa região, publicou, na última revista “Nova Augusta”, Revista de
Cultura, n.º 26, de 2014, edição da Câmara Municipal de Torres Novas, um belíssimo
artigo sobre Júlio de Sousa e Costa.
Júlio
de Sousa e Costa, nascido em Lisboa, em 1877, foi funcionário público em
Lisboa, Vila Nova da Barquinha, Tomar, Leiria, Alcanena e Torres Novas,
Foi,
porém, na Barquinha que trabalhou e viveu grande parte da sua vida, onde foi
secretário da Câmara Municipal.
Sendo
escritor, interessou-se por temas históricos nacionais e par tudo quanto
respeitasse ao concelho da Barquinha.
São
dele vários artigos publicados nos Serões de Tancos, do qual foi Diretor,
Proprietário e Editor.
Através
dos livros revelava a sua faceta de republicano assumido, acabando por ver a
sua obra proibida pela Censura e de ser perseguido pela polícia política, a
Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE) criada por Decreto-Lei n.º
29992, de 29 de agosto de 1933, e substituída pela Polícia Internacional e de
Defesa do Estado (PIDE), criada por Decreto-Lei n.º 35 046, de 22 de outubro,
de 1945.
Num
estudo de 36 páginas, Manuela Poitout, com as limitações de fontes que existem,
conseguiu um brilhante trabalho sobre um grande homem, Júlio de Sousa e Costa,
que incontestavelmente deu a conhecer o nosso concelho no início no Século XX.
Alguns
excertos do seu trabalho:
“
Quem procurar na Biblioteca Nacional, para consulta, o livro de Júlio Sousa e
Costa, intitulado O Rei dom Carlos I, factos inéditos do seu tempo (1863-1908),
com a cota 106527P, receberá um volume
que mostra na capa um carimbo da Direção dos Serviços da Censura e a menção
PROIBIDO, datada de 1 de março de 1943 .
Conhecendo-se
a história das relações do Estado Novo com os escritores, não se ficará
surpreendido, embora a leitura da obra, por si só, não seja esclarecedora das
razões que terão conduzido a Censura a tal decisão, porquanto nela não existe,
para o leitor qualquer crítica velada ou explícita ao Estado Novo, nem
propaganda subversiva, ou atentado à moral e aos bons costumes.
Na
sua narrativa, o autor analisa a conduta do rei D. Carlos e dos seus ministros,
e também de D. Manuel II, relatando factos da época. As últimas páginas são
dedicadas ao regicídio e aos regicidas, sobretudo a Manuel Buiça, que duas
pessoas da Barquinha conheceram pessoalmente. (1)
O
Escritor refere-se também ao modo como o país reagiu à morte do monarca e do
jovem príncipe, com banquetes clandestinos e congratulações pela morte do
soberano» (p. 25) e cita uma carta de Francisco Grandela, escrita doze dias
após o regicídio, em que afirmou: «E afinal foi uma coisa tão fácil. Com a
morte de cinco pessoas fez-se uma nação feliz.» (p. 25) .Sousa e Costa é muito
crítico em relação a D. Manuel II, um perfeito desastrado na maneira de se
conduzir perante a dificílima política do seu País», que «atirou os políticos
uns contra os outros» (p. 64), e que «não soube caminhar em linha recta sem
hesitações», uma «pessoa vacilante na sua opinião, sabendo atraiçoar com um
semblante ingénuo». (pp. 65 e 66)
Ainda
citando afirmações de Sousa e Costa sobre D. Manuel II, o último rei de
Portugal «ajudou com muita vontade a implantação do regime republicano» (pp. 67
e 68), e «talvez não fosse precisa a revolução do 5 de Outubro de 1910» porque
«a monarquia estava a cair de podre, de ridículo», (p. 66) .
O
texto é um repositório de memórias do autor e dos seus amigos ou conhecidos,
muitas delas transmitidas por via oral, e acompanhado de imagens dos reis
retiradas da imprensa contemporânea, algumas delas caricaturas de Celso
Hermínio (2), amigo de Sousa e Costa desde os tempos de juventude”.
António Roldão, na conferência que
aconteceu no auditório do Centro Cultural de Vila Nova da Barquinha no
pretérito dia 2 de Outubro de 2010, sobre “A Proclamação da República e a
Barquinha de 1910”… disse: “ Mudaram, ou melhor dizendo, baralharam-se os
trunfos, acomodaram-se no poder os rostos da visibilidade política da
Barquinha, nada de importante, passando aligeiradamente de um para o outro
posto do regime sem oposições ou estéril contestação, na plena paz dos anjos”
…. vide http://atalaia-barquinha.blogspot.pt/2010/10/proclamacao-da-republica-e-barquinha-de.html.
No
mesmo sentido vai a investigação de Manuela Poitout.
“
Nesse mesmo ano, numa visita a Ramalho Ortigão, perguntou-lhe este:
-
Ainda existem lá no seu burgo pitoresco os arreliantes políticos, os caciques,
os regedores, os citotes" enfim toda essa boa malta da gentinha que zela
admirável e civicamente pela Res Pública?
-
Sempre e dignos e austeros, senhor Ramalho Ortigão, cônscios da
responsabilidade que lhes incumbe a Carta Constitucional que felizmente nos
rege ...
-
Belo … Está tudo integrado com coragem!. .. - e
mudando de tom, continuou - E a sua República está de esperanças?
-
A República está a chegar!. .. Não lhe dou três anos …”
Esta
profecia cumpriu-se, uma vez que a conversação com Ramalho Ortigão tivera lugar
três anos antes. E é através de Sousa e Costa, como secretário administrativo
do concelho da Barquinha, na mensagem enviada para o Governo Civil de Santarém
em 7 de outubro de 1910, que temos um dos registos de como a Câmara da
Barquinha e a população reagiram à "chegada" da Republica.
Acuso
recebido o telegrama de V. Exa, de ontem, e cunpre-me informar o seguinte: No
dia 5, às 6 horas da tarde, soube-se por uns emissários vindos do Entroncamento
que havia sido proclamada a República às 8 horas da manhã, imediatamente a
Câmara Municipal Republicana arvorou o
estandarte da República no meio de
grande entusiamo e de uma ovação delirante. Tendo sido avisado a comparecer na
administração, recebi um telegrama do Exmo. Governador Civil de Lisboa, Dr.
Eusébio Leão, para arvorar a bandeira e comunicar o facto às demais repartições
públicas o que imediatamente fiz. A escola prática de engenharia aderiu ao
movimento, não tendo havido o mais pequeno protesto. Tudo está tranquilo.
E
em 2 de novembro, o secretário registou também a adesão das freguesias do
concelho, copiando as palavras do administrador:
«Cumpre-me
comunicar a V. Exa que todas as freguesias desta administração aderiram ao novo
regime tendo prestado voluntariamente a sua declaração de fidelidade.»
E
para não parecer estranho ao governador civil que a câmara da Barquinha
mantivesse a mesma vereação antes e depois da mudança do regime político, o
administrador do concelho, em exercício no ano de 1913, sendo Sousa e Costa o
secretário, explicou em ofício que «a revolução de 5 de Outubro encontrou na
câmara municipal uma vereação na sua maioria republicana, motivo por que se
conservou em exercício.”
(1)
Vive, ainda no concelho da Barquinha duas pessoas que conheceram Manuel Buiça
de perto - Eduardo Lamas Zagalo Gomes Coelho, proprietário, domiciliado na vila
e freguesia de Atalaia, primo do celebrado escritor Dr. Joaquim Guilherme Gomes
Coelho, mais conhecido por Júlio Diniz,
e Francisco Tacha de Figueiredo, proprietário, residente na vila. Estes
senhores deram-me sobre Buíça os apontamentos que abaixo seguem. Tão amáveis
informantes frequentavam o Colégio Nacional, da R. das Pedras Negras, onde
Buíça era professor (p.257).
(2)
«O seu jornal O Micróbio, além de vergastar a ambição de João Franco e a
ingenuidade de Hintze Ribeiro, desenhava o rei em permanentes apuros políticos.
D. Carlos admirava-lhe o talento artístico, chegando a comentar algumas das
caricaturas com Ramalho Ortigão (Costa, 1943, p.54), e Hermínio retribuía-lhe a
consideração enviando para o Paço alguns dos seus jornais.» (Sardica, «o poder
visível: D. Carlos, a imprensa e a opinião pública no final da monarquia
constitucíona1», in Análise Social. nº 203, 2012, pp. 344-368).
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